segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Memória inscrita
Analisando tudo o que assisti, fico imaginando: qual será o futuro da dança? Surgirão novos Petipa, Balanchine, MacMillan? Ainda existirão sapatilhas de ponta, tutus, Cisnes, Quebra-Nozes e Raymondas? E a dança contemporânea, aonde chegará?
Enquanto pensava no futuro, assisti o espetáculo que encerrou o evento. Em cena, Françoise e Dominique Dupuy, um casal que por si só é pura memória. Discípulos do alemão Jean Weidt, eles foram precursores da dança moderna e expressiva da França.
No espetáculo, ambos demonstram tamanha vitalidade que nos faz esquecer que eles já passam dos 70 anos de idade. Dominique surpreende em seu solo com o cajado e Françoise consegue ser tão leve e sutil quanto o esvoaçante tecido de seu figurino. Apresentando trechos de coreografias que marcaram seu passado, os bailarinos conseguem ser perfeitamente atuais.
Sendo assim, só pude chegar a uma conclusão: gostando ou não, continuarei assistindo e acompanhando essa processo evolutivo da dança, afinal, tudo que passa por nós deixa uma marca, uma memória inscrita. Talvez no futuro nos encontremos novamente e possamos levantar novas e reflexivas questões sobre o assunto...
Um grande abraço a todos, obrigada pela companhia e até a próxima!
Patricia Andrik
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança
domingo, 18 de novembro de 2007
Bienal de Dança?
Uma das definições de Arte, segundo o Aurélio, diz assim: “capacidade que tem o homem de, dominando a matéria, pôr em prática uma idéia”. Já dança, significa: "seqüência de movimentos corporais executados de maneira ritmada, em geral ao som de música".
Nessa reta final, resolvi levantar outra questão: até onde chega o conceito de dança contemporânea? Será que com tantas novas experimentações a Bienal não está se transformando em uma Bienal de Arte?
Assistindo os mais variados espetáculos e intervenções acabei concordando com minha colega de blog, Fernanda Mello: também achei que em muitas situações a dança foi esquecida, simplesmente deixada de lado.
Um exemplo disso é “Para todas as Marias”, na qual a bailarina Cristiane Oliveira passa mais de uma hora em meio à flores e frutas para valorizar a percepção sensorial e a sexualidade feminina. Um trabalho estudado, esteticamente bonito, mas que mais se assemelha à uma performance.
Assim como o vento é o ar em movimento, pra mim, dança também é um corpo em movimento e pensar nesses aspectos talvez seja uma boa sugestão para a próxima edição do evento.
Manual de Instruções
É interessante ver como cada grupo usa a temática proposta pela Bienal, "memória que se inscreve". Em "Manual de Instruções", a companhia de Dani Lima comenta diversas impressões passadas pelo elenco. Com a platéia acesa durante todo o espetáculo, o público é convidado a interagir nas propostas e memórias do grupo.
Simpáticos e cativantes, os bailarinos mostram seus talentos e experiências. O momento em que André Masseno conta a "história da bacia" * é impagável e facilmente se tornou o meu preferido. Destaque também para os trechos em que as bailarinas ensinam a dançar samba e vestir uma camiseta.
Na mesma noite, a baiana Verônica de Morais apresentou "Bom de Quebrar", uma série de movimentos rápidos com situações de quebra e fragmentação. Em seu figurino de papel, a bailarina vai além dos limites do corpo e chega a impressionar. Incrivelmente, apesar de todas as circunstâncias apontarem o contrário, Verônica não segue o título do trabalho e, felizmente, sai ilesa da coreografia.
* trecho do espetáculo em que o bailarino demonstra como descobriu a citada parte do corpo, cultuada por nomes como James Brown, Gretchen e o próprio André Masseno.
Patricia Andrik
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança
Mudanças e marcas
Com Entre e Saia para as Entre Salas, da Cia. Etra de Dança Contemporânea, do Ceará, percebo que a dança não tem sotaque. A performance e a coreografia apresentadas pelos bailarinos do Nordeste têm as mesmas referências dos que vivem no Sudeste. Sintonia, sincronicidade?, como foi falado pela portuguesa Filipa Francisco no painel O Lugar da Dança.
Não sei responder. O que noto, pela Bienal, é que bailarinos e coreógrafos estão reiventando a dança, a roda. Novo choque ao assistir Pra Weidt - O Velho, apresentada pelo atelier de bailarinos santistas, que integrou lindamente jovens e idosos no mesmo palco, trocando de papéis, para lembrar-nos, como disse a colega Patrícia Andrik, de onde viemos e para onde vamos.
Assistindo depois ao painel sobre o processo de criação de Joana Lopes sobre a coreografia A Dança dos Velhos, de Jean Weidt, descubro que o que vi chama-se coreodramaturgia. É dança, teatro, movimento!
E Joana me fez pensar sobre o que um círculo, uma diagonal, uma horizontal podem comunicar e significar, linhas que Weidt e Joana souberam aproveitar em seus tempos e espaços. Nem foi preciso a coreografia quadrada e marcada para fazer o público refletir sobre o papel do idoso na sociedade e a fragilidade do ser humano de qualquer idade.
Outro conceito sobre dança me toma quando assisto a Dois do Seis de Setenta, da carioca Claudia Müller, a mesma que criou a dança contemporânea em domicílio. Assim como se entrega flores, Claudia leva arte para alguém, mas, além do presente em um embrulho diferente, ela chama para a questão da dificuldade do bailarino trabalhar e viver de seu trabalho, de seu corpo, de sua arte.
A mesma Claudia, criativa e desafiadora, questiona em Dois do Seis de Setenta o que é o corpo e de que matéria ele é construído. De marcas, como um mapa, diz o texto que acompanha a performance.
Com o corpo pintado com datas, ela vai se desenrolando no chão, mostrando as muitas possibilidades, as formas. E joga na cara do público que somos feitos de marcas, que levamos para onde formos e que contam nossa história, o machucado da infância, a vacina...
Se nosso corpo muda com o tempo, ganhando e perdendo marcas, só poderia ser desta forma com a dança. Acho que é bem isso que a quinta edição da Bienal Sesc de Dança está mostrando, as transformações pelas quais a dança está passando, as suas muitas possibilidades, a ausência de limites e a importância da história, para que não esqueçamos para onde seguir.
No último dia, percebo que o tema Memória que se Inscreve foi escolhido a dedo. Acredito que os bailarinos sairão daqui mais fortalecidos e mais inteiros de seu compromisso com a arte e com a sociedade, das mudanças que podem provocar com ou sem movimentos.
Fernanda Mello
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança
Vamos celebrar!
O homem moderno tem uma coisa engraçada: anda muito preocupado em preservar a história... monumentos, construções, tumbas faraônicas, restos de animais e civilizações que não existem mais.
Enquanto isso, esquecemos de conservar coisas antigas que estão muito mais próximas de nós: nossos valores, ensinamentos, aquilo que não foi simplesmente plantado em nossa cabeça, mas foi nos ensinado por alguém.
Às vezes é preciso assistir um espetáculo como o do Atelier de Bailarinos Santistas para repararmos na beleza impressa nas rugas deixadas pelo tempo. Em “Para Weidt – o Velho”, o grupo santista presta uma homenagem ao coreógrafo alemão Jean Weidt, um precursor do enfoque da dança como ação social. A coreografia é uma releitura brasileira da obra de 1929, que mostrava que os velhos, no conjunto da sociedade fisiculturista incentivada pelo movimento nazista da época, eram apenas ferro-velho.
A escolha do local da apresentação não poderia ser mais perfeita. Assim como os velhos citados, o fosso do teatro às vezes também passa despercebido, mas serviu para abrigar cerca de 100 pessoas que formaram a platéia.
Os jovens bailarinos interpretando idosos emocionam. Atuando ao lado deles, o grupo constituído por pessoas da chamada 3ª idade, também emociona e nos faz repensar nossa existência e aquilo que seremos se chegarmos à idade deles.
Assistir “Para Weidt – o Velho” me fez refletir e querer celebrar...
Então vamos celebrar o bom gosto, a beleza dos movimentos, as trilhas bem escolhidas... Vamos celebrar nossos pais, nossos avós, nossos bisavós, porque eles são nossa origem, aquilo que somos e o que vamos ser.
Contemplemos o velho para apreciar o novo e talvez assim, finalmente possamos entender que o que é bom, não tem idade.
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança
sábado, 17 de novembro de 2007
À beira-mar
Vale a pena ver, ainda mais no último dia de Bienal Sesc de Dança. Por quê? Primeiro porque não é todo o dia que se vê bailarinos, que também tocam instrumentos musicais, dispostos a encarar a areia, a água gelada... E os franceses se renderam mesmo, deitaram e rolaram, literalmente, na Praia da Aparecida.
Não dá para dizer que apresentaram algo de inovador, como foi o caso do queniano Opyo Okach, que levou à convivência do Sesc, no feriado de 15 de novembro, sua dança africana, tradicional e livre. A apresentação de Ex-Nihilo vale pelo lugar, pela entrega dos bailarinos à proposta de levar a dança para qualquer lugar e pela música também, principalmente, a tirada pelos próprios bailarinos da guitarra, da bateria e de sopros.
Os banhistas pararam para ver e gostaram. Ficou evidente que os bailarinos adoraram. No final do espetáculo, entraram de roupa e tudo no mar, acredito que, para celebrar o momento mágico de dançar à beira-mar.
Quero ver dança
Outro lugar que poderia ter sido melhor aproveitado é a Praça do Aquário. Explico: em Tempo de Espera, de Ana Andréa Arte Contemporânea, do Rio de Janeiro, poderia ter havido mais dança, para mostrar ao público que estava lá na tarde de sábado e para celebrar o sol que se abriu no momento da performance.
A música escolhida daria em vários trechos de um belo contemporâneo. Nos poucos momentos em que Ana Andréa e Renata Costa se movimentaram, ficou claro que as duas têm potencial para tanto.
Houve bons momentos de comédia e de interpretação. Mas dança mesmo, calculo que tomou só 10% da apresentação. Quem sabe em uma próxima?
Fernanda Mello
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança
Ousadia e risco
Mais do mesmo
Logo no início, cinco bailarinos exibem seus corpos nus pelas edificações da capital homenageada, reproduzidas no cenário. A iluminação privilegia e rende ótimas imagens de pernas e braços fazendo as vezes de arranha-céus.
A performance se alonga por mais de uma hora e a interação e a proximidade com o público são tamanhas que algumas pessoas chegam a se esquivar das "investidas coreográficas" do elenco.
É aí que volto à questão: usar a nudez em espetáculos contemporâneos para chocar ou provocar reações adversas já não se transformou em algo comum? Não é só mais do mesmo?
Na mesma noite e em contrapartida, assisti "Máquina de Desgastar Gente", criação e concepção do baiano Luís de Abreu, que trata da presença e da exploração da imagem do negro na sociedade.
Em cena, oito bailarinos afro-descendentes, apresentam a primeira parte do espetáculo, que conta a origem biológica de cada um: de onde vieram, quem são seus pais, avós, bisavós... Na seqüência, um episódio sobre a "memória atual" encena os traumas, as frustrações e as conquistas desses bailarinos, como os testes de elenco em que não foram aprovados, as apresentações de sucesso e até os momentos de constrangimento sofridos por causa da cor da pele.
O espetáculo termina com uma sátira ao estereótipo: ao som de música erudita, os movimentos sensuais do axé.
Pra mim, o grupo dança sem chocar, diverte sem apelar... Não estão nus, mas conseguem mostrar perfeitamente as suas verdades. Afinal, expor suas origens e experiências para um teatro cheio, não é despir-se para o público?
Patricia Andrik
Jornalista e comentarista do blog da Bienal Sesc de Dança